É Primavera e as chuvas acordam suavemente as sementes internas… Ainda desvitalizados pelo frio do inverno, sonhamos com o futuro e marcamos as férias.

Como sair deste torpor do inverno e passar diretamente à ação? Qual a fórmula secreta para chegarmos a um outro universo, quando o nosso se modifica e não nos permite ficar ali onde estamos, só protegidos e seguros sob o jugo da terra fofa e pesada? Como poderemos fazer a transição do tempo de parar, para o tempo da aventura, de viver a Primavera, de nos apresentarmos ao mundo e assumirmos o direito de estar ali?
Segundo Okun, investigadora em psicologia, todo o desenvolvimento é um processo dinâmico, com um movimento pelas fases, em que cada transição se faz com uma adaptação procurando o equilíbrio, gerindo os défices que podem ser maiores, se é menor o grau de semelhança entre o ambiente pré e pós-transição.

A transição nem sempre parece ser fácil mas é essencial ao crescimento, parecendo quase um novo nascimento. Se consideramos que o desenvolvimento se faz por fases, tal como postularam Freud ou Piaget, poderemos pensar que cada passagem a um novo estádio, implica este processo, estranho e ambíguo, mas mágico, da transição.

Na transição saímos da rigidez de um estado passado, para um processo surpreendente em que há coisas que parecem não fazer muito sentido, nem estar ainda certas. Tal como o desgelo na Primavera, este pode ser um processo lamacento, confuso e até feio, mas é o que permite o derreter da neve e do gelo para chegar ao prado verdejante e florido.


Alguns autores que estudaram o processo de transição classificam as transições em categorias. Dizem que podem ser previsíveis e não previsíveis e voluntárias ou não voluntárias. Quando acontece uma crise ou catástrofe geralmente trata-se de uma transição não antecipada e involuntária, perante a qual ficamos perplexos e às vezes tristes. Por vezes, chegamos até a pôr em causa a nossa força e vontade de viver. Mas isso não significa que mesmo as crises não nos permitam também um crescimento e evolução.

A Primavera, tal como a adolescência, são transições previsíveis, sonhamos com elas até as desejamos. Mas, ao chegarem, implicam a opção pela possibilidade de viver em pleno, encontrar os nossos desejos e, com toda a nossa capacidade de adaptação, pô- los em prática.
Aqui não se trata só de sonhar, implica mesmo viver e, como diz a canção… “Viver é melhor que sonhar”. Na transição os dias são nossos e mesmo na incerteza temos de avançar com os nossos pés acreditando que vai haver chão, vai haver segurança e competências internas para lidar com os desafios do desconhecido externo e também com a nova pessoa que somos.


Numa crise, tal como uma doença, um desastre, uma perda profissional ou pessoal, a adaptação tem de ser maior e a rigidez tem de descongelar quase completamente. Temos de lançar raízes mais fundas que nos agarrem à vida, largar partes de nós e abrir caminhos na terra lamacenta para novos caules e folhas. Sobretudo aí, temos de saber ouvir e sentir a vida a pulsar dentro de nós, respirar dando alento a essa força e avançar contando por vezes também com outros que nos segurem e suportem.


Embora nenhum modelo sirva para todos os indivíduos no momento de lidar com a transição, alguns autores como Hopson e Adams estudaram uma sequência de fases do processo da transição. Começa com a imobilização ou choque inicial, depois a minimização em que se vai negar ou minimizar a mudança, a dúvida de si próprio e da sua capacidade, o deixar ir a situação e começar a poder olhar para o futuro, o teste em que com energia se sente possível o lidar com a situação. Finalmente, dá-se a procura de significado e de entender como os acontecimentos são diferentes, dando-se depois uma interiorização que pode implicar uma mudança de valores e de estilo de vida, com um crescimento emocional, espiritual ou cognitivo.


Apesar de ser possível de ser observada e estudada, como num tubo de ensaio, a forma como cada um de nós lida com a mudança e a transição é muito específica e pessoal pois é determinada por miríades de fatores individuais e ambientais subtis, tais como a experiência de vida, a maturidade ou o auto-conceito.


Resta saber onde pulsa a nossa semente interna, a quantidade de humidade e calor que precisamos para lançar raízes, qual o grau de coragem que temos para fazer nascer folhas para procurar a luz do sol… seguir a nossa natureza e viver a Primavera.


Marisa Lourenço
Psicóloga e Psicoterapeuta
Rubrica InConsciente na Revista InSentia