Incrível como é no mais gélido dia de Inverno que conseguimos sentir em que é que consiste a essência do calor. É aí que mais o desejamos e valorizamos, estando dispostos a fazer o que for preciso para o ter, por dele sentirmos necessidade. Será que precisamos de sentir o contraste para nos darmos conta do valor de algo na nossa vida e das nossas reais carências?

Será que só na doença valorizamos a saúde, que só na tristeza valorizamos a alegria, que só na guerra valorizamos a paz, que só na crise valorizamos a oportunidade de evolução, que só na solidão valorizamos o amor? Parece que só algum grau de desconforto nos faz agir e mudar… Não um desconforto debilitante em que a dor nos desvitaliza, pois esse nem nos permite mover ou crescer. Esse desconforto total tolda-nos o pensamento e a ação e tira-nos, mesmo que momentaneamente, da direção da vida.

Mas um incómodo que não se cala perante aquilo que não nos serve e nos faz mover e mudar. Pode ser um sinal de alerta que começa fraco e aumenta até se tornar insuportável, um choque que nos faz levantar de repente e abrir bem os olhos ou então o desejo de algo que se consegue vislumbrar à distância. Este contraste não precisa de ser físico, ou químico, também pode ser emocional e pertencer ao sentir, pode ser cognitivo e pertencer ao saber.

No entanto, temos de ter tempo e lugar para que a mudança aconteça. Temos também de ter uma estrutura suficientemente flexível em que a mudança possa caber, ou possa ir encontrando aos poucos o seu lugar. Embora muito influenciados pela cultura, somos ainda parte da natureza e respondemos sobretudo às suas leis, em que tudo tem o seu tempo, os seus ciclos e a sua maturação.

Tudo isto nos lembra antigos adágios como “A fome e o frio metem a lebre ao caminho”. Somos seres vivos, orgânicos e não automáticos, respondemos ao meio e a impulsos internos, às necessidades que se vão criando e que nos motivam a mover, que surgem do contraste, da falta, da dissonância.

A teoria psicanalítica de Sigmund Freud falava na necessidade de descarga de dois tipos de pulsões básicas: a pulsão de vida, da procura do que nos alimenta e a pulsão de morte, mais agressiva. Essas pulsões, inatas e biologicamente determinadas são consideradas, segundo esse autor, a fonte da energia psíquica e geradoras de todo o comportamento.

É possível olhar para a motivação (do latim movere), ou para o que nos move, de um modo mais diferenciado como fez, por exemplo, Abraham Maslow que propôs uma classificação das diferentes necessidades em pirâmide, em que aparecem sequencialmente cinco tipos de necessidades – necessidades fisiológicas, necessidades de segurança (física e psíquica), necessidades socias (relacionamentos e participação), necessidades de estima (autoconfiança) e necessidades de autorrealização. Só preenchendo de alguma forma as necessidades mais básicas se pode perceber ou pensar em preencher as necessidades mais elaboradas e de crescimento. Assim, aparentemente a nossa motivação vai-se orientando para objetivos cada vez mais ligados ao desenvolvimento pessoal e mais distantes das pulsões básicas de vida ou morte.

Embora a Motivação seja um tema muito pensado e estudado, por estes dois e por muito mais teóricos, o que nos move ainda pertence um pouco ao reino do mistério, nem sempre é assim tão linear ou consciente.

“Se estás mal muda-te”… muda o mundo, muda-te a ti, muda o outro. Mudar o outro é quase sempre uma tarefa difícil, embora nos apareça sempre como uma ilusão tentadora quando entramos no jogo do muda o outro que eu não mudo. Mudar-nos a nós próprios, e seguindo o nosso próprio direcionamento interno, parece ser um ato de grande poder mas também uma árdua empreitada.

Aproveitemos o quentinho deste Natal idealizado com bolas coloridas a adivinhar a possibilidade de frutificar da primavera e com luzes cintilantes a lembrar os raios de sol do estio, para sonharmos com a possibilidade de nos movermos para o nosso melhor e para um mundo melhor e para fazermos planos de ação e de mudança para o ano novo que se avizinha.

Marisa Lourenço
Psicóloga e Psicoterapeuta
Rubrica InConsciente na Revista InSentia